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A consolidação do poder médico: a medicina social nas teses da escola médico-cirúrgica de Lisboa (1900-1910)

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Rita Garnel

Em A Biologia Social. Discurso inaugural do anno academico.1900-1901, Miguel Bombarda afirmou que a sociedade era um organismo e a sociologia nada mais era do que a extensão das ciências biológicas. Esta afirmação era o corolário lógico de um pensamento que, ao longo do século xix, insistira na naturalização dos comportamentos e atitudes, individuais ou sociais, o que legitimava a intervenção do médico em todos os campos. Perceber como a crescente medicalização da sociedade foi conseguida, isto é, como se deslocaram as atenções da doença para a saúde, e como a partir de um modelo higienista, centrado na prevenção, iniciado ainda em Setecentos, a medicina e os médicos construiram e consolidaram o seu saber e o seu poder é o objectivo desta comunicação. As estratégias deste novo poder foram múltiplas e as lutas com outros poderes e outros saberes essenciais à construção de um projecto que visava um (re)ordenamento total da sociedade. Uma das dimensões da consolidação do poder médico encontra-se, indubitavelmente, na reprodução do ideário médico-social que as dissertações inaugurais das escolas médico-cirúrgicas exemplarmente ilustram. O período escolhido para a análise destas dissertações (1900-1901) corresponde a uma década em que a Medicina Social podia já reivindicar crescente audiência junto da opinião pública e junto do Estado. É que, o crédito social e político alcançado por alguns dos professores da Escola Médico-Cirúrgica, cujas opiniões e trabalhos as teses reproduzem, não se explica apenas pelo seu peso científico. Há que perceber que a capacidade de convencimento e o acolhimento das ideias, expendidas pelos médicos, deve ser, em primeiro lugar, explicada pela eficácia real e crescente da medicina e das novas técnicas médicas, também deve ser compreendida como efeito das transformações do Estado, a que os médicos e as instituições de saúde pública pertencem, pela capacidade de organização profissional e, sobretudo, pela importância do poder intelectual nas sociedades contemporâneas. Por isso a acção e a palavra dos médicos se não esgotou no domínio científico, que, por seu lado, colheu benefícios da eficácia da intervenção filosófica, política, social e estética dos médicos. Não será, também, por isso que se realiza, cem anos depois, um congresso sobre «Miguel Bombarda e as singularidades de uma época»?


ISBN:

eISBN: 978-989-26-0362-9
DOI: 10.14195/978-989-26-0362-9_8
Área: Artes e Humanidades
Páginas: 77-88
Data: 2006

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